Uma das principais buscas do ser humano é relacionar-se. Todos nós precisamos ser observados, aprovados, amados e acariciados. A troca é vital desde o nascimento e permanece como necessidade básica do ser humano. Essas demandas podem ser supridas pelas mais diversas pessoas e relacionamentos. Todas as relações podem ser fonte de trocas afetivas: pais e filhos, marido e mulher, namorados, amigos, parentes, professores e colegas de trabalho.
Todas as pessoas tem algum tipo de relacionamento. Essas relações podem ser fonte de enorme contentamento ou ao contrário, terreno propício para que apareçam conflitos de toda espécie. Pensamos: qual é o segredo de relacionamentos saudáveis? O que é um relacionamento saudável? Quais são os elementos que favorecem as pessoas relacionar-se de forma harmoniosa? Certamente esse assunto gera muito especulação, curiosidade e interesse. Um assunto bem complexo e amplo, que já mereceu a atenção de inúmeros psicanalistas, psicólogos, filósofos e cientistas sociais. Podemos pensar que um relacionamento saudável ocorre no encontro de pessoas saudáveis psiquicamente. O contato com o outro é o que promove o crescimento e o desenvolvimento.
Desde o nascimento até os primeiros anos de vida, nossa espécie não sobrevive sozinha. Não se trata só de cuidados com alimentação e higiene. Os cuidados básicos podem garantir a sobrevivência, mas não o desenvolvimento e a saúde psíquica. Somos seres complexos. O psicanalista René Spitz em seu livro, O Primeiro Ano de Vida desenvolveu pesquisas sistemáticas sobre o desenvolvimento dos bebês. Spitz pesquisou crianças institucionalizadas, que eram privadas do contato materno contínuo, ou outra figura substitutiva. Esses bebês, apesar de receberem alimentação adequada, cuidados médicos, e cuidados de higiene, desenvolviam patologias graves e ás vezes irreversíveis como depressão anaclítica e o hospitalismo, por não terem contato físico e afetivos suficientes. As relações iniciais insuficientes geravam desde os casos mais graves até comprometimento em vários graus no desenvolvimento intelectual, psíquico e motor. Muitos outros importantes autores da psicanálise discorreram sobre as relações com pais e mãe como constituintes da psique do indivíduo.
Um dos mais influentes e importantes nomes da história da psicanálise, Donald Winnicott, desenvolveu sua teoria baseada na qualidade das primeiras relações, como suporte do desenvolvimento da saúde mental e maturacional do indivíduo.
O titulo de alguns de seus trabalhos denotam essa importância: Tudo Começa em Casa, Os bebês e suas mães e A Família e do Desenvolvimento Individual.
“A partir do nascimento o bebê pertence ao meio social no qual seus pais biológicos vivem e a vida representa para ele uma série de experiências boas e más, mas terrivelmente intensas.” (WINNICOTT, op. cit., p. 86), WINNICOTT, D. W. (1971).
De acordo com Winnicott, é a qualidade e suficiência destes primeiros relacionamentos, que se dão geralmente com os pais ou figuras substitutivas, que vão influenciar diretamente a capacidade ou não do indivíduo desenvolver-se e consequentemente aprimorar relacionamentos futuros satisfatórios. Estes primeiros vínculos são determinantes para o indivíduo criar uma base para o desenvolvimento posterior. Com a plasticidade da psique, o sujeito pode progredir num processo contínuo por toda a sua vida. Vários fatores também podem bloquear esse desenvolvimento contínuo e ocorrer uma fixação em determinada fase quando ocorrem traumas.
São inúmeros fatores que irão influenciar as formas de se relacionar com o mundo e as escolhas de um parceiro afetivo. Dentre eles podemos citar: modelos ou contra modelos materno/paterno, cultura, relações com a família extensa e transmissão transgeracional do sistema de crenças familiar. Todos esses fatores podem criar obstáculos no relacionamento caso estejam inconscientes. Tudo aquilo que é seu, mas não há apropriação da consciência pode te escravizar. As falhas no amadurecimento do indivíduo estão diretamente ligadas ao sucesso em se estabelecer vínculos saudáveis.
As pessoas geralmente buscam em suas relações afetivas preencher o que lhe faltou nas primeiras relações objetais, depositando no parceiro amoroso tudo que lhe foi insuficiente ou inexistente nas primeiras ligações afetivas. Os processos inconscientes diminuem a importância dada ao parceiro de fato, e tornam mais importante do que esta relação pode oferecer. Nesses casos, as relações se iniciam com um peso e expectativas altas e idealizadas. Receita certeira para dificuldades.
Se cada um procurasse olhar para a parte que lhe cabe dentro da relação, teríamos melhor convivência e harmonia. O processo de análise é uma grande oportunidade de examinarmos os bloqueios e as lacunas que ocorreram no desenvolvimento afetivo/vincular do indivíduo. Essas lacunas refletem-se na vida adulta, como dificuldades nas relações pessoais e dificuldade em conseguir dar conta das demandas da vida cotidiana.
Citando Platão: “conhece-te a ti mesmo e conhecerá os Deuses e o Universo”